sexta-feira, 24 de julho de 2009

O que é de nós?


O que é de nós?
Buscamos, antes de tudo a satisfação. Queremos estar satisfeitos, queremos estar em paz, queremos estar por dentro, por fora e em torno de nós, das nossas necessidades.
Necessidades contraditórias: quando a gente busca, o que desejamos, nos tira do circulo inquebrantável da paz de não querer.
Tantos filósofos já o disseram. Tantas religiões o pregam. O não-querer é a receita infalível da paz interior, o nirvana dos budistas, o objetivo dos espíritas e de todas as religiões e filosofias que entendem o homem como uma inteligência a serviço do universo. Entretanto, a gente quer, na nossa humanidade, na mera razão do existir, no centro de todas as coisas...a gente quer.
A gente quer prosperidade, abastança, e há aqueles que buscam isso inclusive com ajuda divina. Até porque não é só a abastança material que interessa, a gente quer também o reino dos céus...o nirvana, o paraíso de Alah, com direito a 11 mil virgens e rios de leite e mel, a gente quer a colônia espiritual onde poderemos conviver satisfeitos com espíritos iluminados.
A gente empreende, desde que nasce, uma verdadeira guerra em torno do que queremos. Isso para mim é fato, fato baseado em observação, dado de realidade.
Entretanto, não respondemos a essa pergunta que deveríamos ser instados a fazer desde a mais tenra idade:
O que queremos?
Desse questionamento surgem muitos outros, como uma rede bem tramada, que nos leva a buscar – devido a sua natureza prolixa e paradoxal - rotas de fuga abjetas, como religião, política e relacionamentos. Queremos dividir nossa dúvida, pensar na dúvida alheia, resolver problemas dos outros, com a finalidade única de escapar dessa rede que nos prende e nos obsta o caminho. Assim, eu me questiono, quando tenho coragem...e em geral ela me falta... nas respostas a algumas dessas perguntas:
O que quero? De que modo quero e o que poderia fazer para obter?
Até que ponto poderia ir para obter o que desejo?
De que tenho que abrir mão para obter o que desejo?
De que tenho medo?
A quem feriria para obter o que desejo?
Até que ponto eu me importo com os outros e seus desejos?
Porque eu deveria querer paz sempre?
Acredito firmemente, que a guerra justa é a guerra interior, aquela batalha sangrenta que travo comigo mesma diariamente e que me leva a algumas respostas – quando tenha coragem – e às vezes, também sinto que estou lutando inutilmente contra moinhos de vento criados por mim mesma, quixotescamente, sem a desculpa da insanidade.
Já travei tantas batalhas, já tenho tantas cicatrizes, que me pergunto se valeu à pena. Encontro sempre a mesma resposta: valeu sim!
Nesse percurso magoei e feri pessoas, meu coração comeu alguém, destruiu aldeias, fugiu de caçadores, é um tigre velho, feroz e resmungão, que tem uma terrível dificuldade de comunicar-se; nestas mal traçadas linhas da minha trajetória há o eu e o duplo do meu eu, que tive que criar para poder obter o mínimo de comunicabilidade com os outros, o meu eu fala um dialeto estranho, algo como sânscrito. O duplo do meu eu fala com as pessoas e eu mesma considero que fala demais. A ninguém mostro o meu eu e o duplo do meu eu também tem duas faces, como Janus, a face sorridente para alguns, a face séria para menos ainda.
Nesse percurso a minha crítica é uma lança afiada, um punhal certeiro, uma besta sempre apontada para as demais pessoas, que eu, com o tempo, aprendi a disfarçar e com mais tempo ainda, a não acionar, a não ser em casos de extremíssima necessidade. Infelizmente, para mim, sobretudo, não aprendi nunca a entrar num ambiente qualquer se analisar, fria como um iceberg, todos os que estão a minha volta. Isso me torna uma pária, porque antecipadamente vejo quem são as pessoas, sinto-lhes a fraqueza, a humanidade e, com grande choque, sinto também o quanto elas não sabem disso.
Mania infeliz das pessoas estarem sempre buscando o reflexo do “eu” nos outros. Com que freqüência as pessoas vivem refletindo seus sentimentos, desejos, questionamentos e buscas pessoais nos demais! Como acham, como eu um dia já achei, que os outros pensam sobre nós o que mostramos e que, por isso, darão as respostas exatas às perguntas que fazemos!
Engano terrível, cometido por mim também freqüentemente – só a pouco verifiquei a tolice que isso representa – em relação às pessoas com quem convivo, diária ou eventualmente.
Quando buscamos o que somos, nos outros, recebemos os outros e tudo que lhes é próprio como realidade e assim nos perdemos neles, bem como eles em nós. Viramos bois que se refletem no próprio rebanho. Carneiros que berram juntos.
Não estaremos satisfeitos, nem obteremos paz! Eu creio nisso. Não há meio de a inteligência – no sentido de responder as nossas buscas pessoais - ser detida por meio de freios colocados em nome de Deus, do diabo ou da ciência.
Somos, nós os humanos, teimosos em essência – deve ser herança divina – não somos racionais.
Racionais são os leões que sabem que para sobreviver tem a necessidade de selecionar o que caçam, como se defendem e com que freqüência se reproduzem.
Nós somos seres “buscantes”, mas de nós mesmos. E isso não é elogio ao egoísmo, é apenas uma constatação. Somos egoístas à medida que os outros esperam de nós e não damos. Os outros são egoístas, em relação a nós, na medida em que esperamos e os outros não dão.
Acredito no senso moral do cristianismo: aos outros como a nós mesmos e isso é tão logicamente egoísta, para mim. Se um dia, entendi isso de forma diferente foi porque seu significado não é o propriamente esclarecido. Aos outros como a nós significa apenas que não deveríamos buscar, nos outros, os nossos desejos, mas em nós mesmos. O melhor de nós pode não ser suficiente para os outros, mas será para nós.

sábado, 18 de julho de 2009

Velha fórmula

Nada de bom pode sair de minha lavra quando escuto Resposta ao Tempo, de Aldir Blanc, na voz de veludo de Nana.
Há em todas as pessoas o gosto pela tragédia, a vontade de viver um amor tão grande que esfacele o coração.
Ai de quem não viveu um grande amor. Ele inventará para si mesmo que ele existiu, mesmo que não passasse de um olhar furtivo, através da janela. Casado, deixará a esposa ou o marido, na eterna dúvida de não ser o primeiro e único amor. Solteiro, nunca estará inteiramente disponível, por que esse amor que criou tomará todo espaço disponível do coração.
É um amor irrealizado, portanto perfeito, onde se sofre bela e dignamente, onde o perfume das rosas mortas acompanhará o enterro da paixão as tantas mil vezes que ela morrer, para renascer mais forte.
Não há dignidade alguma num banco de fórum onde o “meu bem” é substituído pelos “meus bens”, com direito a xingamentos e partilhas.
Mas, nesse amor irrealizado, irreal, que a gente inventa na adolescência, para almofadar o coração de pedra que surgirá invariavelmente quando se fanarem os sonhos é sempre perfeito. Com direito a comédia, a tragédia, ao afogamento, ao vôo.
No parceiro real não há beleza, não há nenhum super poder. Somente e tão somente aquela criatura patética, que surge após o segundo ano de casamento que defeca, peida e cutuca os dentes. Que dorme de boca aberta e baba o travesseiro. Por mais horror que pareça, somos humanos, somos assim, “todos tendes intestinos e, no final deste, um lamentável cú, que os envergonha”. Mas, quem é que pode manter uma paixão perfeita, se o outro insiste em se coçar? Em comer? Em ficar bêbado? E limpar as unhas do pé?
O T-Rex surge agora, meio espantado, com sua indefectível sobrancelha, altiva e inglesa, perguntando o que vem a ser esse derrame insano de palavras.
Sei lá, Rex! É constatação.
Só se pode amar de mentira, como propõem os filmes e livros. Li recentemente uma obra voltada para adolescente, e que está muito em moda, (O Crepúsculo e sua continuação). Divertiu-me imensamente o fato de que os personagens parecem sempre estar à beira de um ataque fulminante de amor, e que é muito conveniente a forma vampiresca do personagem central. Mas, quem não gostaria de não envelhecer e nem morrer (no caso dele, de novo? (exceto eu, que acho isso uma tara fraca)
A mocinha tá dando um monte pra ser vampira também. Enfim, um vampiresco conto shakespereano, uma velha forma já tão usada, e nunca gasta, mudam os personagens, muda o cenário, muda o estilo, mas o fundo da estória é sempre o mesmo: uma velha fórmula shakespereana.
O T-Rex me observa chocadíssimo, vestido em seu robe de seda. Balança a cabeça numa indefectível rejeição aos meus argumentos. Critica-me seriamente: atrevo-me a criticar Shakespeare?
Não, Rex, eu até gosto dele. Mas, que ele inventou ou pelo menos divulgou o Grande Sonho Adolescente, é incontestável.
O problema é que ele não previu que crescemos, amadurecemos e carregamos, para sempre, conosco nossos sonhos.